Sobre recomeços

Manoel Netto
4 min readJun 4, 2021

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Reflexões com base no meu retorno às atividades físicas sobre duas rodas, as pausas, os retornos e os esforços necessários, além de paciência.

Hoje eu retomei meus rolês de bicicleta após uma longa pausa. Fiquei uns 2 meses, ou mais, sem fazer qualquer exercício, por uma série grande de fatores, desde muita correria de trabalho, o tempo que não ajudava, fiquei doente um tempão (COVID19) e depois mais um tempo de recuperação…

Acontece que hoje aconteceu de eu me dar tempo, ter disposição, estar precisando arejar a mente e fazer sol durante o dia. Peguei a bicicleta e vazei para a orla da cidade.

O bom de fazer uma atividade como essa é que a gente não precisa "prestar muita atenção" no que estamos fazendo. A bicicleta vira uma extensão de nosso corpo e é como se estivéssemos apenas andando. A atenção mínima para não atropelar alguém ou alguma coisa, ou mesmo ser atropelado, não impede que apreciemos a paisagem e ao mesmo tempo deixemos os pensamentos fluirem, divagarem.

Nos aprofundamos em nós mesmos.

Nessas reflexões, eu comecei a prestar atenção ao meu corpo, afinal, o coronavirus prejudicou bastante a respiração e os músculos. Cabe ter cuidado para não exagerar além do que meu atual estado físico está pronto para assumir. Então continuei devagar, curtindo o caminho e pensando em tudo isso.

Todo recomeço é assim, não é? Ou pelo menos deveria ser.

Eu parei de pedalar, algo que estava me dando muito prazer além de resultados bons para minha saúde e autoestima. Mas eu precisei parar. Fatores internos e externos me fizeram parar e eu parei.

Durante todo o período sem pedalar, eu não esqueci a bicicleta. Prestando atenção nela, percebi que ela precisava de pequenos ajustes e uma boa limpeza. Então eu decidi que deveria desmontá-la para fazer o que fosse necessário.

No início eu fiz um monte de coisa que precisava. Mas acabei desviando meu foco para coisas mais "urgentes", como a gente sempre faz quando perde a dedicação, o interesse, o mood de concluir o que fazíamos. E a bicicleta ficou lá, guardada, protegida das intempéries, porém desmontada, sem atenção e inútil ao seu propósito.

Antes de hoje eu já pensei e tentei voltar. Houve dias em que eu pensava e não fazia nada. Outros que eu tentei montar e apareceu algo mais importante. Houve até o dia em que eu comecei a montar e caiu o mundo de chuva. Mesmo assim eu terminei de montar, chovendo, sabendo que naquele dia eu não poderia sair, mas assim que desse uma brecha… e foi hoje a brecha.

Foi preciso força de vontade e decidir que eu iria recomeçar. Naquele momento em que começou a chover, eu quase desisto. Quase deixo para outro dia de sol. Mas eu lembrei que isso já havia acontecido e decidi agir diferente. Sair daquele loop que me deixava paralisado num momento de "quase ação".

Foi aquela decisão, no dia de chuva, que fez o recomeço acontecer.

Isso não fez, sob qualquer hipótese, o recomeço ser mais fácil. Continua sendo difícil. Hoje eu pedalei por uns 20 minutos direto, depois fiz uma parada de uns 5 minutos, pedalei mais uns 20 e parei para beber uma água e descansar um pouco, antes de pedalar até em casa.

A memória muscular já existe, eu sinto que às vezes as coisas simplesmente acontecem. Mas o período parado, o prejuízo causado pelo vírus, fazem com que às vezes "falta perna". E me mostram que eu não posso simplesmente recomeçar de onde parei, refazer os percursos que já estavam sendo ampliados. Eu preciso voltar um pouco, começar de novo, ir no meu tempo, ir no tempo do meu corpo e aproveitar o caminho.

No caminho há altos e baixos.

Algumas subidinhas, que eu já conheço, estão mais esticadas, mas eu uso as ferramentas disponíveis (marcha lenta ou desço da bicicleta mesmo, tudo bem) para seguir em frente. Em algumas decidinhas dá pra apertar um pouco mais o "acelerador" e sentir a brisa nos cabelos e o frio na barriga. Mas há de se ter atenção nos pedestres e postes, pois meu reflexo pode não estar afinado e eu quebrar a cara ou machucar alguém.

Tudo bem dar uma parada de vez em quando. Tudo bem ir devagar. Tudo bem curtir uns pedaços de forma mais leve. O importante é decidir, é começar, é andar. Com o tempo os meus músculos vão ganhando saúde novamente, meus reflexos voltam ao normal, minha respiração ganha potência e maior capacidade. Os percursos e os desafios assumidos vão aumentar e novos rumos aparecerão.

O importante é decidir.

Ter força de vontade. O importante é dar o primeiro passo e assumir que vai fazer acontecer.

A direção e o caminho são mais importantes que a velocidade e o destino.

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