Sobre Gabriel e eu

Manoel Netto
3 min readDec 22, 2020

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DISCLAIMER: Texto originalmente publicado em novembro de 2012, republicado agora sem alterações.

Eu estava assim, num bar, com colegas de trabalho (e amigos), comemorando o sucesso de mais uma etapa bacana da empresa em que trabalhamos, devidamente cumprida com louvor. De boa, depois de já ter bebido algumas cervejas e interrompido o plano da noite, que era comemorar o aniversário de uma amiga, há alguns quilômetros dali. Nada é por acaso, por certo.

Gabriel chegou de mansinho, franzino para seus 13 anos (segundo ele mesmo disse ter), vestido de xerife, veja só, com coletinho e estrela dourada, vendendo cartelas de adesivos. Nos pediu licença e perguntou se nós compraríamos (eu e a namorada) uma cartela de adesivos, caso ele falasse “obrigado” em 20 idiomas. Por R$ 10, eu fiquei curioso com aquele menino e pedi que ele pronunciasse, muito mais para ajudá-lo que por uma cartela de adesivos, visivelmente muito mais baratas que os dez pilas que ele cobrou.

Photo by Silvana Carlos on Unsplash

Gabriel rezou seu terço, pronunciou sua decoreba em vários idiomas (eu não contei, já tinha tomado umas cervejas, lembra?) e nós começamos a conversar. Descobri que ele é filho de uma baiana, que nasceu num ônibus vindo para São Paulo (não sei se era história ou “estória”) e que cursava a 6ª série (sétimo ano, na nova contagem), mora em Guaianazes só com a mãe, pois seu pai já havia falecido.

Gabriel me emocionou.

No alto dos seus treze anos, inglês “aprendido in the street” muito bem pronunciado, espanhol enrolation também bacana, Gabriel me emocionou. Não sei porque cargas d’água eu me vi em Gabriel. Tenho pai vivo, minha mãe não me pariu num ônibus (e ambos moram em Salvador ainda) mas eu me vi em Gabriel. Comecei a trabalhar muito cedo, muito mais por vontade que por necessidade, sei o quanto é duro conciliar trabalho e escola, e talvez por isso chamei ele de canto e dei apenas um conselho pra ele:

“muitas vezes, durante a vida, a gente pensa em largar escola e ir trabalhar, ganhar a vida, mas não faz isso não. Estuda, se dedica. Você tem talento e garra e vai se dar muito bem na vida”.

O conselho que eu ouvi muitas vezes e de certa forma ignorei.

Sou muito grato à sorte que tenho. Nunca me dei muito mal na vida, embora tenha tido muita chance de me f*der grandão. Me considero alguém de sorte, e claro, dedicado. Não fosse sorte e dedicação, talvez tivesse tomado outro rumo. Mas sou grato. E como sei que nem todo mundo tem sorte, infelizmente, me senti na obrigação de dar a dica pro Gabriel. “Estuda, meu filho”.

*EDIT 2020: Hoje eu entendo que nunca foi sorte, foi privilégio.

Espero que ele ouça. E se dedique. Ou que tenha também sorte. Porque talento não lhe falta.

Fui pra casa refletindo sobre isso. Minha sorte, as pessoas que me cercam, e Gabriel. Gostaria mesmo era de tê-lo levado pra casa, adotá-lo. Mas ele tem mãe, tem casa, tem responsabilidades (claro, por que outro motivo ele estaria na rua, tão longe de casa, vendendo adesivos às 23h30?). E chorei. Não sei se foi a cerveja, o Gabriel ou minha própria vida. Mas chorei feliz.

Muito obrigado, vida. Muito obrigado, Deus. Muito obrigado, vocês todos, que fizeram e/ou fazem parte disso tudo.

Beijo no coração.

E toda sorte do mundo ao Gabriel. Não somente ao que conheci hoje, mas a tantos Gabriéis que existem por aí.

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