Para onde vai o seu discurso?

Manoel Netto
5 min readDec 13, 2020

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DISCLAIMER: Texto escrito originalmente em dezembro de 2015 e republicado sem alterações.

Há alguns poucos anos eu estava em São Paulo em uma reunião de negócios com brasileiros e portugueses e em algum momento falávamos sobre diferenças culturais. Ele me disse uma coisa que eu não havia percebido e não esqueço desde então.

Nós Brasileiros sempre temos uma opinião a emitir, mesmo que seja sobre um assunto que não dominamos, mesmo que não tenhamos propriedade alguma sobre o tema, mesmo que sequer teoricamente tenhamos buscado aprender. É como uma necessidade, um impulso incontrolável, como se algo nos dissesse que não falássemos o que pensamos seria muito ruim, teríamos uma pendência qualquer a ser resolvida.

Pura verdade. Depois dessa conversa eu refleti muito e desde então tenho tentado controlar esse impulso. Obviamente, nem sempre tenho sucesso, mas é um trabalho diário.

Mas falando de quem TEM propriedade sobre o que fala, pessoas que levantam bandeiras e assumem posições, tomam partidos, buscam conhecimento, defendem suas verdades, temos um grande problema ainda a resolver, nessa nova e ainda não dominada Era da Exposição.

Todos temos voz, mas quem nos ouve?

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É muito fácil criar conteúdo em texto, audio, vídeo, publicar nossas opiniões e tudo o que pensamos na Internet, divulgar em nossas redes sociais, ter muitos seguidores, ser replicado em matérias da imprensa (incluindo a parte ruim que é ser replicado alterando o que dizemos). É tão fácil que não tomamos cuidado com o que falamos. Ou pelo menos não tomamos o cuidado necessário.

Discussões em redes sociais são cada dia mais comuns. Assuntos polêmicos hoje são tratados como brigas de torcidas organizadas de times de futebol. Apaixonadamente. E surdas. Todo mundo fala, mas pouca gente ouve de verdade. E quando ouve, são partes estrategicamente removidas de seu contexto para serem usadas na réplica, tréplica, etc. Ataques. Apenas ataques.

Qual a motivação de tais discursos? A necessidade é apenas falar ou existe uma intenção de ser ouvido, de influenciar o debate, de levantar questões importantes acerca do tema discutido e seguir com as argumentações para que a mensagem seja transmitida?

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Ego. É o que eu vejo mais. E não estou falando de um assunto particular, mas de um padrão de comportamento que está bastante presente. Qualquer que seja o tema, qualquer que seja o assunto, qualquer que seja o interesse da população em geral sobre, quaisquer que sejam os públicos, as pessoas que realmente debatem com seriedade não estão batendo boca na Internet. Estão participando de eventos, estão publicando artigos, dando palestras, organizando movimentos. Na Internet sobraram os raivosos, os de ego inflado, os agressivos que tentam ganhar a discussão no grito ou desqualificando a opinião alheia.

Essas pessoas falam para que sua própria voz seja ouvida de volta, não para que a mensagem seja transmitida.

Tá, ok, à esta altura — se você leu até aqui — você deve estar com muita raiva de mim ou de você mesmo. Ah, claro, se você for uma dessas pessoas. Mas não me jogue pedras, por favor, isso tem cura. Eu já fui uma pessoa que falava o que pensava e na maioria das vezes eu queria apenas falar, não necessariamente ser ouvido. Mas até eu perceber isso levou bastante tempo e eu ainda me trabalho para melhorar tais pontos (entre muitos outros).

Não acredito que exista uma receita pronta para isso, mas penso fortemente que algumas atitudes ou reflexões prévias, podem nos ajudar muito a elevar o nível das discussões e tentar fazer com que a mensagem seja passada.

  1. A primeira coisa a se pensar é no objetivo de uma discussão. Antes de entrar no papo, antes de fazer textão, pense: o que eu quero atingir especificamente com o que eu estou falando, escrevendo? Monte sua argumentação baseada no seu objetivo e revise, mostre para uma pessoa e pergunte se você se fez entender. Refaça seu pensamento quantas vezes for necessário para que as palavras que você está expressando sejam adequadas ao que você está tentando transmitir.
  2. A segunda tem bastante relação com a primeira e diz respeito ao público a qual a mensagem se destina. Esse texto, vídeo, palestra, discurso vai ser entendido por esse público X ou Y que vai consumí-lo? Precisa adequar algum termo, alguma expressão, alguma forma de falar, alguma imagem que pode passar a mensagem equivocada? Às vezes até mesmo as cores que você utiliza em slides de uma palestra, por exemplo, podem influenciar em como o público vai receber essa mensagem. Pense no seu público e lembre-se: se a mensagem não é corretamente recebida pelo público, a responsabilidade é sempre do emissor.
  3. Não entre em uma discussão querendo acabar com ela. Essa é uma postura bem comum que eu vejo atualmente. A pessoa faz textão, argumenta um monte de coisa, rebate outras tantas e não dá espaço para que exista discussão. O assunto morre, mas o objetivo não foi atingido, a mensagem não foi transmitida, apenas vomitada, esfregada na cara do outro, por vezes com o mesmo efeito que um soco na cara. Se o seu público se sente agredido por você, há uma tendência muito maior de ele rejeitar sua mensagem por reação natural de defesa. Chance perdida.
  4. Saiba quando entrar numa discussão e também quando sair. Desperdiçar sementes em terreno infértil não é persistência é insistência. Se o seu interlocutor não está disposto a discutir, por que você vai gastar seu tempo quando poderia investi-lo em mentes abertas ao tema?
  5. Por último, existem muitos casos em que o seu interlocutor também tem propriedade sobre o tema e tem opinião contrária à sua. Ambas válidas. Existe ainda a possibilidade de ele estar certo e você errado. É, eu sei, é ruim ouvir/ler isso, mas errar é humano. Ouça, reflita, questione. Talvez você continue com a razão e seja melhor “concordar em discordar”, mas pode acontecer de você mudar alguns pensamentos, até mesmo mudar de ideia. Isso não é ruim, demonstra maturidade, humildade e inteligência.

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