Os favelados classe média

Manoel Netto
3 min readDec 22, 2020

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DISCLAIMER: Esse texto foi originalmente escrito em outubro de 2011, republicado sem alterações em 2020.

Há algum tempo quero escrever sobre um assunto que me incomoda, desde que mudei para São Paulo, mas que ultimamente tem se tornado tão absurdamente comum, que o incômodo virou indignação. É o fenômeno que eu tomei a liberdade de nomear de “favelados classe média“.

Voltando um pouco na História, quando as cidades, estradas e vias férreas eram construídas (não precisa ir muito longe, Londrina, por exemplo, tem bem menos de 100 anos de idade), podemos avaliar um movimento social bem claro. Os trabalhadores, que se empregavam na construção dessa cidades e vias, ficavam tanto tempo que acabavam transformando suas moradias temporárias em algo mais fixo, traziam família, iam ficando. As esposas e filhos também encontravam trabalho nas redondezas, após ou mesmo durante a construção das cidades. E, em busca de uma vida melhor e oportunidades nesses locais tão novos, formavam as favelas ou invasões, mais tarde transformadas em bairros, comunidades, etc. Pobreza e batalha.

Photo by Joao Tzanno on Unsplash

Em cidades grandes como São Paulo, onde estão todas as empresas, todas as oportunidades, onde tudo começa, onde estão os melhores e maiores investimentos, outro fenômeno acabou ocorrendo com o tempo e durante muitos anos também foi forte e bastante evidente: a migração. Pessoas de cidades menores dentro e fora do estado foram atraídas pelas oportunidades de emprego, a maioria para mão-de-obra pouco qualificada. Esse êxodo ainda é atualmente muito marcante na configuração da cidade. Eu costumo dizer que o que menos tem em São Paulo é Paulistano, por conta disso.

Acontece que essas vagas pouco qualificadas não são tão abundantes mais, o que acabou por mudar um pouco o perfil da migração. Como tecnologia, Internet, mídias sociais estão bombando, tem atraído cada vez mais um outro perfil de trabalhadores: jovens, classe média, muitos em seu primeiro emprego e a grande maioria morando sozinha pela primeira vez.

Essa leva de trabalhadores, atraídos pelas oportunidades de trabalho, festas, fama, sucesso, dinheiro e crescimento profissional, são uma versão upgraded dos primeiros. Chegam em busca (ou saem da casa dos pais), aceitam o primeiro trabalho (podendo mudar pouco depois para uma melhor oportunidade), ganham relativamente bem, pagam aluguéis caríssimos e moram mal, muito mal. O foco da moradia é a proximidade do trabalho ou das baladas, ou do metrô (não que isso seja ruim em São Paulo), o restante é secundário. Apartamentos sem estrutura, pouco ou nenhum móvel ou conforto, afinal, pouco ficam em casa mesmo, não importa.

Esses são os Favelados Classe Média.

Obviamente, com o tempo e os anos, podem melhorar a moradia, deixar a casa com sua cara ou até mesmo comprar um imóvel (depois de pagar o carro, talvez), mas você não nota a semelhança? O paralelo?

Bom, era só uma reflexão mesmo, não é pra ter nenhuma conclusão, mas se eu posso deixar uma dica, eu digo para se afastarem um pouco do centro de tudo. Morem um pouco longe, mas não morem mal. Invistam em qualidade de vida, conforto, segurança. Pode não fazer diferença no ápice da balada, mas fará quando você ficar gripado, quando quiser receber alguém em casa, quando quiser fazer uma baladinha particular em seu canto, quando tiver frio pra cacete, entre outros momentos.

Afinal, morando perto ou longe, quem em São Paulo sai de casa sem se programar antes? Você vai se atrasar de qualquer modo.

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